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Sebos denunciam seus leitores ausentes

Um sebo é uma Casa Aberta de escritores, mas também ponto de encontro de leitores. Quando a casa se fecha, é a memória, forçosamente, que se abre.

Vejamos. Abrir um livro é, ao mesmo tempo, convocar à leitura. Inquietar a alma prestes a ler. Nos sebos, livros presentificam certos traços de leitores ausentes. Alguns são cuidadosos, zelosos, disciplinados. Pouco se tem a dizer deles. São sistemáticos e vivem ocultando seus percursos, talvez por excesso de amor cuidam demasiadamente de suas próprias imagens. Mas têm os que se mostram em demasia, que dobram páginas de livros, ávidos, sublinham frases, anotam suas interpretações nas margens das páginas. Quem diria, estes têm o desprendimento de criar símbolos ao final de uma linha para destacar certa importância do pensamento. Ocorre-me, ainda, que em alguns casos há uma classificação de símbolos, cada qual ocupando uma hierarquia de importância para o leitor. Na verdade, nem os compulsivos escapam. Eles se estendem nas marcas de gotas de café ou cinzas de cigarro nas páginas surradas pelo tempo. Ainda há os românticos, que deixam cartas perdidas entre folhas, muitas perfumadas. Como se não bastasse, alguns escrevem versos nas páginas aonde o escritor ausentou seu pensamento. Há sempre muito mais.

Certas obras não suportam o caos. São de autores que negam o mundo sensível —informe, ilimitado, indefinido— e criam mundo ideais; a casa do belo e do verdadeiro. Mas há, também, aqueles que anunciam o crepúsculo dos ídolos. A derrocada das ideias redentoras. Recordo-me agora, ao contrário, daqueles que torcem as palavras, impedindo-as de encontrar seu par nas coisas. São autores, como Borges e seus labirintos, que dão existência a mundos paralelos que se projetam entre o espaço naturalizada da palavra e o sentido que se mistura com a alma do leitor.

Mesmo os leitores que não se deem conta, eles se estendem nos livros e no imaginário de seus escritores. Para os objetivos, o mundo é muito fácil de ser decifrado e é preciso dizer sem rodeios. Mas têm os obscuros. Para estes há, sempre, dúvidas. E como eles são complicados! E os autores que escolhem? Claro, são os estranhos: Kafka, Blanchot, Artaud, Borges, Joyce, Proust, Lispector. Kundera, Rosa, Abreu... Há também os perdidos que buscam no outro o caminho para, paradoxalmente, se “auto ajudar”.

Nos sebos, há de tudo, desde a saturação de palavras à polifonia dos sentidos. Uma obra é um derramamento das ideias do seu autor, que, por sua vez, são compostas por muitas outras vozes, mas é, sobretudo, meio pelo qual o leitor encontra acalanto a uma voz interna, indecifrável, que sempre o convoca a buscar algo sem nunca, de fato, encontrar completamente.

Um livro, assim, compõe o espirito de uma época, e um sebo a reunião de épocas. Em ambos, perdura certos hábitos. Leitores tendem a se repetir nos livros e os sebos a repetir certos autores. Qual o livreiro que não tem o livro certo a oferecer ao cliente assíduo? Eles se repetem. Assim, os sebos agrupam ideias aprisionadas em obras e, ao mesmo tampo, fazem circular traços de vidas, algumas formais e outras ordinárias.

Na Casa Aberta, os encontros, as reuniões de diferentes tribos, as misturas de estilos, as utopias talvez tenha sido o diferencial. Um lugar protegido pelas narrativas dos escritores, pelas canções ecoadas dos LPs e na sociabilidade que se formava. A Casa foi, por muito tempo, o ponto de encontro de tribos: punks, metaleiros, místicos, comunistas, anarquistas, feministas, libertários, o que gostávamos de nomear como “turma do mal” – uma espécie de grupos que não se adequavam ao “sistema” e encontravam ali um espaço de comunhão.

Fechada, dispersam-se seus frequentadores. Suspeita-se que eles terão que conviver com uma estranha memória desgarrada de seu território.


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