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O movimento aberrante

Hoje é o dia que marcará nosso mundo para sempre – o fim|começo dos tempos. Este 27 de junho não tem sido mais apocalítico do que os últimos meses, mesmo assim dá vontade de cantar com o Raul: "pare o mundo que eu quero descer". Sim, é verdade, poderíamos descer, ou desembarcar, desse sistema de valores que subordina a maioria das pessoas à servidão, ou, ainda, à servidão para a morte. Nunca um conceito formulado há muito tempo, século XVI por Étienne, fez tanto sentido quando agora – servidão voluntária. Em Dark, não é a servidão social a pauta, mas o tempo. O desafio, ao menos é o que me interessa, é como interagir com a série sem se embriagar com o gênero ficção científica – do tipo fazer relações direta entre especulação científica e o real, ou mundos paralelos, ou, ainda, dimensões que coexistem etc. Como se deixar afetar por uma série sem ficar na posição de servo ou de cair no discurso vazio de que é apenas uma ficção. Um começo possível é o de sair do paradigma do tempo subordinado ao movimento (o tempo marcado pelo movimento dos corpos) para entrar no movimento aberrante, este segundo tão bem formulado por Deleuze, ao mostrar que, ao contrário do primeiro, o tempo é soberano (como na reminiscência de Marcel ao sabor de um biscoito –madelaine–, em No caminho de Swann, de Proust). A terceira temporada de Dark (terminei apenas o primeiro episódio) começa bem, com uma citação de Schopenhauer. Dificilmente alemães citariam franceses, mas Deleuze cairia bem. Não que Schopenhauer tenha sido uma escolha ruim, ambos, e citarei outros, entrariam muito bem no filme. A partir desses autores não há real inteligível fora da linguagem. Seria diferente se falássemos de sentido, afeto, pulsão etc. O tempo, no modo como o interpretamos, é uma invenção humana (sujeitos da e na linguagem). Alguém poderia dizer: “o tempo é real e nós o percebemos desde o nosso nascimento”. Eu doria de outra forma: nós somos afetados pelo tempo, ou, nós somos também o tempo. Mas ele não cessa de não se escrever na linguagem (para usar a mesma estrutura de um outro conhecido autor). Na série, o déjà vu aparece como falha na “matrix”. A falha não poderia ser do nosso sistema simbólico que não suporta a falta de linearidade e exatidão na descrição dos fenômenos? Certo que déjà vu na perspectiva de Deleuze (na verdade vem de Bergson) tem relação com a simultaneidade do presente e do passado. O real do tempo nos afeta nesses momentos em que a razão se torna insuficiente para explicar (déjà vu). O mundo não pode ser interpretado fora da linguagem, ou para dizer de outra forma, o mundo (incluindo o céu) é construído pela linguagem. É por isso que Nietzsche, leitor de Schopenhauer, vai escrever em O crepúsculo dos ídolos: “o mundo das aparências é o único real”. Sim, tocamos o mundo pela linguagem, então não há um real inteligível fora da linguagem. Para engrossar o caldo, para ambos filósofos (inserindo Deleuze), a moral é um sistema de pensamento que julga a vida. Quando julgamos, significa que a moral ao qual estamos inseridos é posta em prática. O desafio é de como construí uma estética e ética que abra caminho para criações que não se subornem à moral. [Minha intenção era publicar uma única frase. Antes de publicar, pensei, pensei, e resolvi escrever um pouquinho mais]


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